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Tecendo a História em Chinchero

A cor forte atiça. O ar rarefeito tonteia.

Essa dupla me atinge no pátio de uma casa no vilarejo peruano de Chinchero, a 3.754 metros de altitude, e corro o risco de me apunar, como explicam por aquelas bandas sentir o mal de altura. Para complicar, caldeirões fervem uma mistura de ervas utilizada como corante que tem aroma pungente de sândalo e que deixa o local esfumaçado.

Em primeiro plano, tecelã peruana recebe os visitantes com bandeja de coloridas xícaras de chá de coca; ao fundo, cinco tecelãs trabalham sentadas ao sol, no pátio interno de uma grande casa assobradada. Crédito: Viramundo e mundovirado
O bem-vindos acompanha chá de coca.
Crédito: Viramundo e mundovirado

A cor que inflama é o vermelho do belo casaqueto que faz parte do traje das mulheres, e é realçado ainda mais pelo contraste das saionas rodadas e das longas tranças de um preto retinto.

Uma delas chega com canecas de chá de coca para servir a todos os participantes da National Geographic Expeditions. Entorno o líquido verde e amargo de um só gole. Outra artesã esparge a fumaça com ramos de folhas de eucalipto e ao mesmo tempo cria um vento perfumado.

Coca e eucalipto fazem efeito rapidamente. Ai que bueno!

Vista do alto, longeva tecelã de olhos fechados no momento da foto, sentada ao sol no chão do pátio, com seu tear de fios vermelhos e coloridos às mãos. Crédito: Viramundo e Mundovirado
Um dos mais belos trajes tradicionais.
Crédito: Viramundo e Mundovirado

Quem criou o slogan investir na imagem deve ter visto essas mulheres de Chinchero. Literalmente elas se enfeitam, e mais: o traje valoriza suas formas cheias em vez de disfarçar, como ditam os estilistas. Um item especial da indumentária é o chapéu de aba larga vermelha que faz bela moldura ao rosto, e a copa tem delicadas flores bordadas. Roupa que acredito vestirem como extensão de suas personalidades e do caráter do lugar.

Recordo ter visto no museu de Cusco a representação de uma Nossa Senhora com vestido e véu bordados, enormes punhos de renda e usando chapéu igual. Terá o colonizador espanhol encomendado ao artista a inclusão desse item para embelezar ainda mais a Virgem?

As artesãs de Chinchero vendem as peças no pátio da casa Crédito: Viramundo e Mundovirado
As artesãs de Chinchero vendem as peças no pátio da casa Crédito: Viramundo e Mundovirado

O povoado de Chinchero, 28 km de Cusco, era quase todo agrícola. Os homens plantavam favas, batatas, cevada e trigo, e criavam lhamas, ovelhas e gansos. As mulheres – Nilda Callañaupa era uma delas – seguiam a tradição de suas mães e avós que teciam em teares manuais, coloridos xales, tapetes e mantas com intrincados motivos geométricos, em lã de vicunha, alpaca, ovelha, e vendiam nos mercados da vila e de Cusco.

Com o aumento dos turistas na região, as bancas dos mercados foram invadidas por um tsunami de peças sintéticas industrializadas, de baixo valor, e com repetitivos desenhos de camponeses com lhamas e montanhas de picos nevados. A tradição dessas artesãs estava desaparecendo.

As artesãs sempre trabalham juntas crédito: Viramundo e Mundovirado
As artesãs sempre trabalham juntas crédito: Viramundo e Mundovirado

Mas Nilda queria mudar essa realidade. E mais, desejava resgatar antigos padrões e desenhos para seguir fiel a arte dos antepassados incas, e estudar outras técnicas de tecelagem, mesmo que parecesse remar contra a correnteza do enfurecido rio Urubamba da região.

Cursou a universidade de Cusco, se tornou mestre em tecelagem, e liderava um pequeno grupo de mulheres artesãs em sua comunidade. Foi quando sua irmã se casou com um jovem americano que organizava viagens ao Peru. Ele levou Nilda para os States onde ela estudou inglês e pode dar palestras sobre o que acontecia em Chinchero nas universidades de Harvard, Vermont e no Textile Museum em Washington. Pela qualidade dos têxteis e por sua missão de lutar para que as jovens aprendessem essa arte e permanecessem na vila, ganhou o apoio da National Geographic Society.

espaço dedicado ao tingimento crédito: Viramundo e Mundovirado
Espaço dedicado ao tingimento
Crédito: Viramundo e Mundovirado

Com o patrocínio da National Geographic pode garantir sustento para as agora 80 tecelãs que fazem parte de seu projeto, melhorar as instalações do lugar, e atender viajantes de todas as partes do mundo. Nilda explica que as mulheres cardam, fiam – até agora nenhuma máquina conseguiu espessura tão fina – e tingem as lãs com corantes já conhecidos pelos incas como cascas de árvores, plantas, parasitas dos cactos, folhas, fungos, e pigmentos minerais. Alguns tem tanto poder de cor que 30 minutos mergulhados na fervura já bastam. Fibras vegetais como o algodão não absorvem tão bem os corantes o que significa cores menos intensas.

Peças criativas Crédito: Viramundo e Mundovirado
Peças criativas
crédito: Viramundo e Mundovirado

Algumas artesãs estão criando uma obra-prima: são tiras feitas nos teares que costuram como um rolinho, preenchem com lã fofa para ganhar volume com a ajuda de um osso fino e longo de vicunha, e como verdadeiro quebra-cabeça juntam para formar uma espécie de tela que representa deuses coroados e cactos.Ilustração cajuzinho usada como ponto final das matérias da vmmv

São têxteis que cativam pela beleza e pelo esmero que as tecedoras colocam no trabalho. Peças que contam uma história e o pensamento de sua criadora.

Heitor e Silvia Reali e Nilda Callañaupa posam para foto. crédito: Viramundo e Mundovirado
O prazer de conhecer Nilda Callañaupa
crédito: Viramundo e Mundovirado

*Viajem a Tierra Sagrada de los Incas, Peru, com arqueóloga, historiadores, fotógrafo e cinegrafista da National Geographic. Esta é a proposta da National Geographic Expeditions.

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ViramundoeMundovirado
"Viajamos para namorar a Terra. E já são 40 anos de arrastar as asas por sua natureza, pelos lugares que fizeram história, ou pela cultura de sua gente. Desses encontros nasceu a Viramundo e Mundovirado."

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