Início O que fazer em? Em Bons Lençóis Hotel Tierra Chiloé – uma viagem em si

Hotel Tierra Chiloé – uma viagem em si

Verde néon.

Se tivesse que definir Chiloé com uma cor, diria que é esse verde luminoso e elétrico. E se precisasse escolher outra característica marcante desse arquipélago chileno, diria a luz.

Graças a ela o verde ali vibra como não vi em nenhum outro lugar. O curioso é que o verde neon não é exclusivo das algas que forram as zonas alagadiças, mas o mesmo que reveste as colinas.

E, dizem os chilotes – que enxergam tudo na ilha com olhos de magia – é também a cor da cauda da sereia.

Com a pele cor de ouro, ela passeia pelos canais enfeitiçando com seu doce canto os pescadores que saíram de madrugada.

Vista de um quarto de hotel a partir da porta de entrada (cama, mesinha de apoio, poltrona em tecido rústico e itens de decoração em madeira), com destaque para intensa luz do dia que chega pela a janela panorâmica.
Todos os quartos têm janelas panorâmicas.
Crédito: Viramundo e Mundovirado

Quem escolheu o Hotel Tierra Chiloé tem a dupla sorte de sentir essa luminosidade e o verde diante das amplas janelas dos quartos, quer na colina onde o hotel está plantado, quer na Bahia Pullao que se esparrama pelo lado direito. Tenho uma lista de amigas que só dormem em quarto no maior breu, e me incluo nela. Mas, confesso que é um pecado fechar as cortinas, pois, a noite o canal Dalcahue fica pra lá de misterioso. Nas águas cor de piche, às vezes surgem inexplicáveis faíscas de luz, sem contar o céu retinto e tatuado de estrelas.

À sombra de grandes eucaliptos em um gramado, apoiadas em uma cerca de finos troncos de madeira, um par de bicicletas tipo mountain bike; ao fundo, cenário de estrada de terra rural sob feixes de luz dourada do sol.
Bikes convidam ao passeio.
Crédito: Viramundo e Mundovirado

Já deu para notar que a localização é o ponto alto do Tierra, apenas 10 km de Castro, capital de Chiloé, terceira cidade mais antiga do país fundada em 1567. Já a caminho do hotel pode-se admirar no horizonte, do outro lado do golfo, a Cordilheira dos Andes que com seus cumes nevados me sugeriu sorvetes de limão em fila, e a silhueta pontuda e inconfundível do vulcão Michimahuida.

A paisagem do entorno do Tierra Chiloé foi fator primordial do encantamento logo na minha chegada à ilha. Também não exagero em afirmar que o hotel é uma inspiradora imersão na geografia, lendas, gastronomia, fauna, flora, produtos da agricultura e do artesanato chilote.

Quer conferir se passo da conta nessa história?

Antes, porém, vou dar algumas pinceladas sobre Chiloé.

Mapa da ilha de Chiloé desenhado em tons escuros, tipo antigo, com objetos da fauna e flora local colados ao redor da ilha; homem aponta uma localidade no mapa com um longo graveto
O guia Gonçalo aponta no mapa o percurso do dia aos viajantes.
Crédito: Viramundo e Mundovirado

Chiloé, segunda maior ilha do Chile, depois da Terra do Fogo, tem cerca de 40 ilhas, sendo que algumas – dependendo das marés – desaparecem. Quase deserta na costa banhada pelo Oceano Pacífico por conta dos ventos, tempestades, e dos paredões escarpados, as vilas e pequenas cidades se desenvolveram no mar interior, os golfos Ancud e Corcovado.

Com a finalidade de que os hóspedes conheçam as naturezas opostas que compõem Chiloé, um dos passeios oferecidos pelo Tierra, é Chepu, praia banhada pelo Pacífico. É preciso cruzar toda a ilha de carro, tomar uma lancha e ainda fazer bela caminhada entre as colinas para chegar no encontro do rio Chepu com o oceano.

Diante desse cenário arrebatador é hora de curtir um piquenique com sanduíches de queijo de campo ou de ovelha e frios, preparados pelos chefs do Tierra. E, não pode faltar o bom vinho chileno, por supuesto!

A fundo violonista e sanfoneiro bem agasalhados, sentados em cadeiras, tocam música e observam uma partitura sobre suporte; em primeiro plano, um chef e uma chef de cozinha preparam masriscos assados em fogo de chão em uma base circular de terra preta de cerca de 2 metros de diâmetro e 60 cm de altura, cercada de vime.
Curanto, mariscos e canções.
Crédito: Viramundo e Mundovirado

A gastronomia do Tierra privilegia os produtos da terra e do mar chilote. No Canal Dalcahue o mar é salpicado de boias a indicarem o cultivo de todo tipo de mariscos. Fresquíssimos podem ser protagonistas, ou entram no preparo de molhos, e num “curanto al hoyo”, maneira peculiar e ancestral de cozinhar em um buraco na terra com pedras quentes: almejas, cholga e chorito, além de carne de porco e batatas. Tem coisa mais gostosa? Tem sim, se o curanto for acompanhado de vinho branco Chardonnay Lapostolle, de histórias de piratas e bruxos chilotas, e ouvindo canções que falam desse arquipélago que forjou, séculos passados, o caráter dos marinheiros e dos primeiros colonizadores.

armazém de prateleiras em madeira contendo produtos artesanais, louças, itens de decoração e alimentos locais
“El Mercado”
Crédito: Viramundo e Mundovirado

Há também os produtos da terra. Um dos locais mais frequentados do hotel, onde a toda hora ficam disponíveis aos hóspedes, café, chá, frutas secas, bolo e docinhos, é ‘El Mercado’. Ali podemos conhecer as peneiras, raladores e panelas em metal, típicos da cozinha das moradoras das ilhas, e dispostos em cestas ou travessas de madeira rústica, os diferentes tipos de batatas, alga seca comestível – a cochaguasca –, especiarias, ervas, temperos, cogumelos, o alho chilote chamado elefante pelo tamanho de seus dentes, o alho negro, cujo sabor mais leve e doce lembra o de frutas, cebolas em belo tom púrpura, para citar apenas alguns produtos.

Salão interior do hotel Tierra Chiloé em madeira, com mesas de centro, poltronas em tecido rústico e lareira moderna com exaustor em tubo para o teto recoberta de cobre; alguns esparsos tapetes em couro sob poltronas, um grande tapete retangular em linha, lumiárias de piso de cúpulas cilíndricas emanam uma fraca luz amarelada, que contrasta com alto brilho da luz que chega ao ambiente pelas janelas panorâmicas de fora a fora na parede.
Uma das salas do Tierra Chiloé
Crédito: Viramundo e Mundovirado

Quer saber mais a fundo sobre a gastronomia chilota ou dos aspectos de sua cultura? Fácil! Sirva-se de um vinho muito fresco como o Casa Lapostolle Sauvignon Blanc, acomode-se em uma das confortáveis poltronas nos deques, ou se estiver frio chegue pertinho da lareira interna, e escolha na biblioteca do hotel, os temas que mais atiçarem sua curiosidade. Foi o que fiz e foi prazeroso.

Em um deles fiquei sabendo sobre arte de trabalhar a madeira para a construção de casas, igrejas e barcos de seus habitantes. As paredes das casas, dos renomados ‘palafitos’, e dos singelos templos são forradas de ‘tejuelas’ – pequenas telhas de madeira alerce mais resistente a umidade – que também podem ser vistas nas paredes externas do hotel, como a refletir as construções chilotas.

Estuário de rio coberto por meandros de algas verdes, nuvens de aves douradas com a luz do sol, à direita, e o reflexo da luz dourada na água, à esquerda
O esplendor do estuário
crédito: Viramundo e Mundovirado

Para continuar na mesma vibe de descanso há uma piscina interna e outra externa com água quentinha que fica de frente para um dos mais belos atrativos da área: um estuário pipocado de pontos brilhantes feito lantejoulas douradas. Na verdade, são aves dali ou migratórias em constantes cantilenas, chilreios, e pios como a expressarem a fartura e o papo cheio de comida.

Esse local é mais um motivo da escolha do Tierra Chiloé pelos amantes do birdwatching. Podem ser avistados cisnes de pescoço negro, gaivotas, o gorducho pato quetru que não voa, garças, e zarapitos de bico curvo. Alguns desses zarapitos vieram do longínquo Alaska para se alimentarem nesse banhado que com seu solo pedregoso e impermeável, retarda o escoamento das águas e é rico de diversas espécies de moluscos.

Mulher em camisa xadrez e calça jeans, de longos cabelos castanhos presos em trnça colocada para a frente do corpo, bebe chimarrão, segurando uma garrafa térmica. Ao seu redor, avista-se de perfil e de frente a cabeça de quatro cavalos de pelo castanho
Catalina recebe os hóspedes para saírem em cavalgadas
crédito: Viramundo e Mundovirado

Agora são horas de conhecer as hortas de onde saem as folhas e legumes frescos das saladas e dos pratos do Tierra; a estufa para as ervas e verduras mais delicadas ao frio, a plantação de morangos, e os locais próprios para batatas que são cultivadas com práticas ancestrais como semear na lua minguante. E, mais, o viveiro de plantas e árvores da zona para reflorestamento, a composteira para reutilizar os resíduos orgânicos do hotel, as instalações para os cavalos que saem em passeios pelas redondezas, as macieiras e ao lado as prensas para a ‘chicha’, bebida à base de maçã, típica dali.

Píer de barcos com pequena embarcação de passageiros ao longe
No píer do Tierra o barco Williche aguarda os viajantes para passeios pelas ilhas
crédito: Viramundo e Mundovirado

Faltou agora definir com uma frase o Tierra Chiloé? Diria que o hotel potencializa o arquipélago, alimenta corpo e espírito: é uma viagem por si só. Ilustração cajuzinho usada como ponto final das matérias da vmmv

Acompanhe os autores também no facebook viramundoemundovirado e instagram @viramundoemundovirado

Hotel Tierra Chiloé, Região dos Lagos, Castro, Ilha de Chiloé, Chile

*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadao

ViramundoeMundovirado
"Viajamos para namorar a Terra. E já são 40 anos de arrastar as asas por sua natureza, pelos lugares que fizeram história, ou pela cultura de sua gente. Desses encontros nasceu a Viramundo e Mundovirado."

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